sexta-feira, 14 de maio de 2010

O meu avô


O meu avô era um homem de poucas palavras. Mas bastava falar-se em comboios para ele desfiar histórias de uma vida sobre carris. Carris muito antigos, do tempo da sua vida de guarda-freios.
Conjugava um ar circunspecto com um sorriso sempre pronto. Pelo menos a mim sempre o mostrou, posso orgulhar-me disso. Sofreu a ausência da minha avó, a sua companheira, falecida há 20 anos, e dela guardou muito (até os óculos) mas nem por isso deixava de lado o tal sorriso e o sentido de humor para encarar as maleitas que iam aparecendo - poucas, em abono da verdade. Se lhe perguntavam pela saúde, só apontava defeito às "rodas", cansadas de quase nove décadas de locomoção. Não escondia a idade, mas enquanto os algarismos permitiram optou sempre por uma saudável troca: afinal, 68 é mais simpático do que 86, ou não?
O meu avô era crente, profundamente crente. A sua casinha junto ao rio estava cheia de provas dessa crença inabalável. As idas madrugadoras à igreja, fizesse chuva ou sol, não ficavam atrás. Estou certa que essa crença o tranquilizou.
Contentava-se com pouco: poucos agasalhos, quase nenhum conforto. O pouco que tinha era quase forçado. Preferia ser generoso com os seus. Teria, pois, muito a ensinar a esses que se dizem cristãos.
Hoje, dia 14, faz dois meses que o meu avô faleceu. Pensei muito antes de escrever sobre ele, e se este blogue fosse mais "público", talvez não o fizesse. Afinal, nunca gostei de abordar temas privados. Mas hoje, senti essa vontade. E aqui fica esta simbólica homenagem, em nome de outras que lhe deveria ter feito em vida.
E nesta altura, gostaria de partilhar um pouco da sua crença, para que o adeus forçado pudesse converter-se num Até Sempre.

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