terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Baixas tarifas e...altas golpadas













Ser hospedeira não era, de todo, o sonho de uma vida. Era uma oportunidade de trabalho como qualquer outra. Bom, como qualquer outra também não, porque a ideia é claramente mais aliciante do que passar horas a fio atrás de um computador.


Foi neste pressuposto que respondi à oferta lançada por uma agência que recruta trabalhadores para companhias aéreas. E a partir deste momento, terei o cuidado de não usar a palavra "oferta" ou de a colocar entre aspas. Já vão perceber.


Concluída com sucesso a primeira etapa do chamado "Open Day" - um teste escrito de Inglês - vinha a apresentação da empresa e as condições de acesso ao posto de trabalho. Note-se que as condições já tinham sido superficialmente apresentadas nos emails que precederam o "Open Day", mas o diabo estava mesmo nos detalhes.


Para se ser hospedeira da Ryanair, é necessária uma formação intensiva de seis semanas. Ora, pela leitura do email, ficava-se com a ideia de que essa formação poderia ser frequentada no Porto ou em Frankfurt/Hahn. Errado, só há formação em Hahn. Para ter acesso à formação, é preciso pagar 500 euros de inscrição (ou 300, para quem conseguisse uma das 10 vagas ainda disponíveis para começar em Março). Esse dinheiro nunca mais volta, mesmo que não consigamos concluir a formação com sucesso ou que desistamos antes de a iniciar.


Depois, é preciso pagar o alojamento e a alimentação (pois, no Porto era tudo mais fácil). Atendendo aos pedidos de várias famílias, a agência conseguiu negociar um "simpático" preço de 700 euros pelo alojamento dos pupilos durante as seis semanas. Antes, os futuros tripulantes tinham de procurar o que houvesse. Quanto à alimentação, se forem bem comportados, cozinharem em casa e não cometerem excessos, não vão precisar de gastar mais de 250-300 euros. Ou seja, 1500 já foram e os moços ainda nem começaram a trabalhar. A isso, há ainda que juntar a mais grossa fatia do bolo: o custo da formação. Para quem quiser pagar adiantado, 1649 euros chegam. No entanto, quem achar que já gastou demasiado não precisa de se preocupar: o dinheiro é descontado do ordenado. O problema é que aqui já não são 1649, mas cerca de 2000. Ninguém vos manda pagar em prestações, ora!


A boa notícia é que quem não passar no curso, não tem de o pagar. Ufa!...


Depois de ser depenado, o aplicado pupilo está oficialmente preparado para voar. E para começar a procurar alojamento barato nas imediações da base onde for colocado. Tem de ser mesmo barato, porque ainda têm de sobrar 7,5 euros para pagar por viagem. Mas não se preocupem. Estejam atentos às promoções e uma vez ou outra ainda vos vai compensar viajar com bilhete de passageiro.


Animem-se: só terão de pagar durante os nove meses de voo ao ano, porque nos restantes três estarão a "gozar" de licença sem vencimento. Não querem? Azar! Há alturas em que faltam voos e sobra pessoal, portanto não terão outro remédio.


Depois de tão demolidoras condições, houve um momento em que me senti culpada por viajar na Ryanair. Sim, porque eu apenas tenho possibilidade de viajar na companhia, não de trabalhar lá. No entanto, esse peso na consciência acabou por não martelar assim tanto. Afinal, havia candidatos que, não tendo entrado à primeira, estavam lá para tentar outra vez. Não fui a única a desistir, é certo, mas também havia quem achasse tudo aquilo muito normal.


Por último, uma nota importante: não sei quanto a Ryanair lucra com isto, porque é preciso não esquecer que se trata de uma agência de recrutamento, que é quem paga os ordenados. Depois, se a a Ryanair gostar muito, mas mesmo muito dos tripulantes, há a possibilidade de assinar um contrato directo, e aí as condições já serão outras.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Vozes da rádio














As nossas memórias de infância são muitas vezes "repescadas" por culpa de sons e cheiros.
Lembro-me de a minha mãe me levar à escola todas as manhãs, e de imediato surge um som associado ao percurso: a voz de Francisco Sena Santos com as notícias da manhã.

Não poderia, também, esquecer-me das sextas à tarde (o prelúdio do tão almejado fim-de-semana) com uma memória auditiva associada ao percurso de carro com o meu pai: Luís Ochôa Sexta-Feira. Apesar de ainda não estar em idade de me interessar pelo tipo de programa em causa, o nome ficou, talvez pela invulgaridade, talvez pela rotina (ou talvez porque o Luís Ochôa continua na Antena 1, agora como correspondente em Bruxelas).

Os passeios em família também têm memórias auditivas, ou não fossem feitos de carro. Quando não tocavam as cassetes do Zeca ou "Zeca e outros", como o meu pai tão cuidadosamente etiquetava, tocava a rádio, tocava o Viva a Música do Armando Carvalhêda. Ainda hoje a sua voz me remete para passeios (até porque em tempo de aulas seria impossível ouvir o programa).

Como já devem ter percebido, cá em casa e principalmente nos carros, a Antena 1 é rainha. Que me lembre, nunca houve espaço para mais nenhuma estação de rádio. Eu familiarizei-me com as vozes e com a "companhia" de quem a faz, e por isso também já não a dessintonizo. Afinal, ninguém gosta de estar com "desconhecidos".

Quando criamos laços destes, construímos também uma relação de confiança que não gostamos de ver quebrada.
É por isso que a demissão da Direcção de Informação é importante. É por isso que interessa saber quem permitiu, quem censurou, quem desrespeitou a liberdade de expressão e os ouvintes e quem manteve a sua dignidade profissional acima de tudo.
Em nome do ouvinte. Porque ninguém gosta de andar com más companhias.

D. Palmira

















Conheci D. Palmira há um bom punhado de meses durante uma viagem de comboio. A razão para só agora escrever sobre ela é aquela que infelizmente usamos para muita coisa: "depois faço isso". Com o "depois" vem a inevitável perda de memória e de detalhes interessantes, mas quanto a isso já nada posso fazer. Apenas me redimo escrevendo o possível.

D. Palmira apanhou o comboio da Linha do Douro no Porto para sair em Peso da Régua, e eu "apanhei-a" em Ermesinde ao trocar de linha. D. Palmira vinha acompanhada de duas amigas, as três dispostas a gozar um belo dia de sol na Régua.

Sentei-me na cadeira vaga para logo perceber que D. Palmira não tem papas na língua. Dos gracejos sobre tocas e coelhos alusivos às recente eleições legislativas, a conversa fluiu para a família e divertimentos. D. Palmira não perde um passeio ou excursão, mesmo que isso implique prescindir da lida doméstica. Afinal a casa é arrendada, e o lixo bem se pode varrer para baixo do tapete. Os autocarros e os comboios é que não esperam por ela.

D. Palmira é tão desembaraçada com o lazer como com a família. Da filha, diz que é gorda, para logo acrescentar que não o seria se não dormisse até ao meio-dia. Já os netos, só querem dinheiro. E os bisnetos, que será deles? Sim, porque D. Palmira já os tem.

Mas não é neles que D. Palmira pensa agora. Pensa nas frutas que vai comprar e no que mais vai fazer ao chegar à Régua, que o comboio já se aproxima.

"A menina onde sai?"
"No Pocinho."
"É uma viagem muito bonita, temos de lá ir."