sexta-feira, 12 de março de 2010

Parcerias...



A edição de hoje do Correio do Minho traz uma loooooonga entrevista com António Salvador, presidente do S.C. Braga e presidente do Conselho de Administração da Britalar, a empresa que está a construir o hotel de luxo junto ao centro ibérico de nanotecnologia, acidentado esta semana com um incêndio que podia ter tido dimensões menores, mas parece que as duas auto-escadas dos bombeiros estavam indisponíveis. Uma porque capotou e tem de ser arranjada e outra porque estava a trocar o pisca, segundo o nosso presidente Mesquita Machado, sempre pronto a descansar os munícipes.
Voltando ao multifacetado António Salvador, a entrevista, conduzida pelo director do diário, transparece uma liderança exemplar. Aliás, muita das intervenções do jornalista são elogios à conduta do sr presidente. Gostei desta, mas há outras pérolas:

"Sete anos e uma viragem de 180 graus... Profissionalismo e rigor de gestão. Excelentes resultados desportivos e o mostrar que é, de facto, o quarto grande de Portugal. Argumentos válidos que marcam o seu mandato...Quando aqui cheguei disse que o importante era trabalhar para a recuperação financeira e para a estabilidade desportiva. O clube tinha de ter como objectivo lutar sempre pelas competições europeias e estar sempre lá e, ser, de facto, o quarto grande do futebol português."

Viramos a última página da entrevista e o que temos? Um texto, aparentemente noticioso, assinado novamente pelo senhor director, onde se convidam todos os bracarenses a assistir ao jogo de amanhã e se promove uma "parceria inédita" entre o jornal e o clube: basta recortar o cupão da capa e trocá-lo por um bilhete para assistir à partida. É isso mesmo: a edição de hoje do Correio do Minho oferece bilhetes para o jogo de amanhã do Braga. Em troca, o leitor leva com seis páginas de vivas ao presidente. Parcerias.

Mais um referendo na Suíça, alguém reparou?













Cem mil suíços quiseram saber a opinião dos restantes compatriotas acerca da possibilidade de haver advogados a defender animais. Note-se que em Portugal os animais são encarados, juridicamente, como objectos, portanto pensar em advogados daria no mínimo acesso directo a qualquer ala psiquiátrica. Aliás, pouco se falou do referendo. É engraçado que não passaram muitos meses desde o último referendo na Suíça, esse sim, muito badalado... Critérios, vá-se lá entender.
Prosseguindo a onda de contrariedade iniciada com os minaretes, a maioria dos suíços opôs-se a que os animais passassem a ter direito a um advogado...incitados pelo próprio governo, que encara a lei como protecção suficiente. Falou-se em intolerância dos suíços face aos muçulmanos, em medo; agora descobrimos que o medo é extensível a animais indefesos. Para a maioria, claro, porque o facto de o assunto ser referendado já merece aplauso. Mas daqui pouco mais recebeu do que indiferença.
E os advogados até deveriam ficar contentes, trabalho não haveria de faltar com certeza. O coelhinho aí de cima que o diga, bem como os seus companheiros de laboratório. Mais os bichos que não só se comem, mas também se matam alarvemente, os abandonados, os atropelados que deixam condutores inquietos...por causa dos estragos na viatura e tantos outros.

(A foto estava no blogue Holocausto Animal, que a partir de hoje passará a figurar na lista de devaneios)

terça-feira, 9 de março de 2010

Sob o signo do peso e da leveza




Para Parménides, a leveza corresponde ao positivo e o peso ao negativo. N'A Insustentável Leveza do Ser, Milan Kundera desmonta-nos o peso e a leveza sob vários pontos de vista: vida amorosa, vida profissional, ideologia, traição, sofrimento...até ficarmos sem saber se Parménides tinha ou não razão. Até concluirmos que as dificuldades e os alívios se cruzam, quando não são inclusive uma e a mesma coisa.
O peso e a leveza são ideias constantes na relação de Tereza e Tomas. Ele precisa de trair, sente-se leve; ela sente o peso desse sofrimento; ele sente o peso na consciência provocado pelo sofrimento dela. Sabina, uma das amantes de Tomas, só consegue sentir a leveza quando trai. A fidelidade é um fardo. Um peso.
As restrições impostas pelo regime russo pós-invasão da Checoslováquia pesam na vida de Tomas, mas esse peso é o custo da leveza sentida após o grito de liberdade.

Apenas o cão, Karenine, não se debate entre o peso e a leveza. Apesar disso, Kundera dedica-lhe uma reflexão, a ele e aos animais que a humanidade escravizou:

"É claro que o Génesis é obra do homem e não do cavalo. Ninguém pode ter a certeza absoluta que Deus realmente queria que o homem reinasse sobre todas as outras criaturas. O mais provável é que o homem tenha inventado Deus para santificar o seu poder sobre a vaca e o cavalo, poder esse que ele usurpara. Sim, porque, na verdade, o direito de matar um veado ou uma vaca é a única coisa que a humanidade, no seu conjunto, nunca contestou, mesmo durante as guerras mais sangrentas."

(...)

"Sente-se sozinha com o seu amor pelo cão. Pensa, com um sorriso melancólico, que tem de disfarçá-lo melhor do que se tivesse de esconder uma infidelidade. Ter amor por um cão é uma coisa escandalosa. Se, em vez disso, a vizinha tivesse sabido que andava a enganar Tomas, só teria recebido uma palmada cúmplice nas costas!"

(...)

"A verdadeira bondade do homem só pode manifestar-se em toda a sua pureza e em todaa sua liberdade com aqueles que não representam força nenhuma. O verdadeiro teste moral da humanidade (o teste mais radical, aquele que por se situar a um nível tão profundo nos escapa ao olhar) são as suas relações com quem se encontra à sua mercê: isto é, com os animais. E foi aí que se deu o maior fracasso do homem, o desaire fundamental que está na origem de todos os outros."

Milan Kundera
A Insustentável Leveza do Ser

"Torradicídio"

















Já não me lembrava de comer torradas no bar perto do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho.
Estão a ver o pão fofo, a vergar-se sob a manteiga derretida, entretanto absorvida? É mesmo isso. Sabe bem. Mas as senhoras que lá trabalham são sádicas. A água que cresce na boca ao pressentirmos a textura suave quase chega aos olhos com o crime cometido: um corte bem no centro do pão em vez dos tradicionais dois. Ou seja, não existe torrada do meio. Vamos fazer greve de fome às torradas? Já vi protestar por menos.

(A foto foi tirada do blogue de André Lasak, encantado com uma sorridente torrada ao pequeno-almoço)

terça-feira, 2 de março de 2010

Mai' nada!







Crónica de Paulo Varela Gomes, última sexta-feira, no PÚBLICO.
E está tudo dito.


Morrer como um touro

O Ministério da Cultura resolveu criar uma secção de tauromaquia no Conselho Nacional de Cultura a pretexto de que lidar touros seria uma tradição cultural portuguesa a preservar. Mas a tradição é mais antiga, do tempo em que humanos e animais lutavam na arena para excitar os nervos da multidão com o sangue e a morte anunciada. A piedade, que é um valor mais antigo do que Cristo, veio, na sua interpretação cristã, salvar disto os humanos. Esqueceu-se, porém, dos animais.

Há um momento nas touradas em que o touro, muito ferido já pelas bandarilhas, o sangue a escorrer, cansado pelos cavalos e as capas, titubeia e parece ir desistir. Afasta-se para as tábuas. Cheira o céu. Vêm os homens e incitam-no. A multidão agita-se e delira com o sangue. O touro sabe que vai morrer. Só os imbecis podem pensar que os animais não sabem. Os empregados dos matadouros, profissionais da sensibilidade embaciada, conhecem o momento em que os animais “cheiram” a morte iminente. Por desespero, coragem ou raiva (não é o mesmo?), o touro arremete pela última vez. Em Espanha morre. Aqui, neste país de maricas, é levado lá para fora para, como é que se diz? ah sim: ser abatido. A multidão retira-se humanamente, portuguesmente, de barriga cheia de cultura portuguesa, na tradição milenar à qual nenhuma piedade chegou. Os toureiros têm pose que se fartam (e com a qual fartam toda a gente). Pose de hombre, pose de macho. Mas os riscos que de facto correm são infinitamente menores que a sorte que inevitavelmente espera os touros, que o sofrimento e a desorientação que infligem aos touros para o seu próprio prazer e o da multidão. Dá vontade de dizer que quem se porta assim, quem mostra orgulho de se portar assim, tem entre as pernas, e não apenas literalmente, órgãos bem mais pequenos que aqueles que os touros exibem. Os toureiros são corajosos mas entram na arena sabendo que haverá sempre quem os safe, senão à primeira colhida, então à segunda. Às vezes aleijam-se a sério e às vezes morrem, o que talvez prove que os deuses da Antiguidade são justos, vingativos e amigos de todos os animais por igual.

Os touros, esses, não têm ninguém que os vá safar em situação de risco, estão absolutamente sós perante a morte. Querem os toureiros ser hombres até ao fim? Experimentem ser tão homens como eram os homens e os animais na Antiguidade: se ficarem no chão, fiquem no chão. Morram na arena. É cultura. A senhora ministra da Cultura certamente compensará tão antigo costume.
Também era da tradição, em Portugal por exemplo, executar em público os condenados, bater nas mulheres, escravizar pessoas. Foi assim durante milénios. Ninguém via mal nenhum nisso a não ser, confusamente, com dúvidas, as próprias vítimas. Até que a piedade, na sua interpretação moderna e laica, acabou com tão veneráveis tradições.
Que será preciso para acabar com a tradição da tourada? Que sobressalto do coração será necessário para despertar em nós a piedade pelos animais?