terça-feira, 9 de março de 2010

Sob o signo do peso e da leveza




Para Parménides, a leveza corresponde ao positivo e o peso ao negativo. N'A Insustentável Leveza do Ser, Milan Kundera desmonta-nos o peso e a leveza sob vários pontos de vista: vida amorosa, vida profissional, ideologia, traição, sofrimento...até ficarmos sem saber se Parménides tinha ou não razão. Até concluirmos que as dificuldades e os alívios se cruzam, quando não são inclusive uma e a mesma coisa.
O peso e a leveza são ideias constantes na relação de Tereza e Tomas. Ele precisa de trair, sente-se leve; ela sente o peso desse sofrimento; ele sente o peso na consciência provocado pelo sofrimento dela. Sabina, uma das amantes de Tomas, só consegue sentir a leveza quando trai. A fidelidade é um fardo. Um peso.
As restrições impostas pelo regime russo pós-invasão da Checoslováquia pesam na vida de Tomas, mas esse peso é o custo da leveza sentida após o grito de liberdade.

Apenas o cão, Karenine, não se debate entre o peso e a leveza. Apesar disso, Kundera dedica-lhe uma reflexão, a ele e aos animais que a humanidade escravizou:

"É claro que o Génesis é obra do homem e não do cavalo. Ninguém pode ter a certeza absoluta que Deus realmente queria que o homem reinasse sobre todas as outras criaturas. O mais provável é que o homem tenha inventado Deus para santificar o seu poder sobre a vaca e o cavalo, poder esse que ele usurpara. Sim, porque, na verdade, o direito de matar um veado ou uma vaca é a única coisa que a humanidade, no seu conjunto, nunca contestou, mesmo durante as guerras mais sangrentas."

(...)

"Sente-se sozinha com o seu amor pelo cão. Pensa, com um sorriso melancólico, que tem de disfarçá-lo melhor do que se tivesse de esconder uma infidelidade. Ter amor por um cão é uma coisa escandalosa. Se, em vez disso, a vizinha tivesse sabido que andava a enganar Tomas, só teria recebido uma palmada cúmplice nas costas!"

(...)

"A verdadeira bondade do homem só pode manifestar-se em toda a sua pureza e em todaa sua liberdade com aqueles que não representam força nenhuma. O verdadeiro teste moral da humanidade (o teste mais radical, aquele que por se situar a um nível tão profundo nos escapa ao olhar) são as suas relações com quem se encontra à sua mercê: isto é, com os animais. E foi aí que se deu o maior fracasso do homem, o desaire fundamental que está na origem de todos os outros."

Milan Kundera
A Insustentável Leveza do Ser

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